Dona Marilene Rodrigues Lima, de 79 anos, estava dormindo em casa, no bairro de Rocha Miranda, na Zona Norte do Rio, quando uma adutora subterrânea se rompeu, por volta das 3h30 desta terça-feira. A força da água foi tão grande que destruiu o imóvel, derrubou paredes, alagou a rua e arrancou o asfalto. Soterrada por escombros, a idosa não resistiu e morreu. Na casa, também estava uma cuidadora, que é amiga da família. Segundo o Corpo de Bombeiros, a mulher foi socorrida sem ferimentos graves. Esse caso é o mais recente dos 15 episódios em que tubulações de água se romperam neste ano na Região Metropolitana do Rio.
A casa ficava em uma rua movimentada do bairro. As equipes levaram cerca de cinco horas para resgatar o corpo de Marilene. Com a enxurrada, carros ficaram submersos e um deles chegou a ser arrastado. Pedaços da tubulação que rompeu ficaram espalhados pela via. Até um cachorro foi salvo pelos bombeiros. Monique Cristina Braga de Souza, uma das cinco filhas de Marilene, que mora ali perto, contou que o rompimento foi assustador.
— Era muita água, muita água. Quando vi a situação, só conseguia pensar na minha mãe, em salvá-la, mas era tanta água que não tinha o que fazer. Ela era tão magrinha…. Estava cheia de saúde, vivia animada. Amava morar aqui, mas os problemas eram recorrentes — lamentou ela, citando um outro rompimento de adutora na região, que aconteceu na manhã do último domingo.
Rede é de 1949
A adutora fica na Rua das Opalas e pertence à área de distribuição da Águas do Rio, que assumiu a concessão após a privatização da Cedae, em outubro de 2021. A canalização é de concreto, data de 1949 e tem uma vazão de 500 litros por segundo. O tubo é tão amplo que permite que um adulto de 1,70 metro caminhe dentro dele sem se abaixar. O ramal abastece a Zona Norte do Rio e parte da Baixada Fluminense, numa extensão de 74 quilômetros. A água que o alimenta vem do Sistema de Ribeirão das Lajes.
Sinval Andrade, diretor da concessionária, afirmou que a maioria das tubulações é antiga e apresenta desgastes.
— A gente vai fazer os reparos e o diagnóstico da rede, e esperamos que o rompimento não se repita em outras partes da rua. Os estudos acontecem desde que assumimos a concessão. Todos os serviços estão com deficiência de manutenção — disse ele, destacando que muitas casas estão sobre as tubulações de água. — Não é que as adutoras ficam embaixo das casas, as casas é que foram construídas em cima das adutoras. É um problema histórico de ocupação irregular. As casas deveriam ter sido construídas com cinco metros de distâncias das adutoras. Não estamos culpando a população, é fruto de uma política de uso de solo antiga que permitiu que as coisas fossem assim. Isso atrapalha o diagnóstico de problemas e até a manutenção da rede.
Casos recorrentes
Apesar da gravidade, o caso não é isolado. Só em 2024, pelo menos 15 adutoras — a maioria na Zona Norte e na Baixada Fluminense — romperam e causaram danos e prejuízos à população. Só em janeiro, foram sete rompimentos de tubulações. Uma jovem de 18 anos morreu em Belford Roxo, próximo ao Rio Botas, no bairro Heliópolis, no dia 6 de janeiro. Sara Gomes de Souza tinha ido buscar água às margens do rio quando escorregou e caiu, ficando presa em uma tubulação que havia se rompido no local.
As causas de um rompimento de adutora são variadas e só a investigação poderá concluir o que o provocou. Segundo Paulo Cesar Rosman, professor da Coppe/UFRJ e especialista em recursos hídricos, uma tubulação muito antiga pode romper por desgaste de material, defeito de fabricação ou falta de inspeção.
— Geralmente é um conjunto de coisas que provocam o problema, mas só conhecendo o caso, o local e as condições da adutora é possível dizer. O ponto mais vulnerável de qualquer tubulação são as emendas, seja ela de qualquer material. A pressão da água é muito forte. Uma eventual rachadura pode evoluir para uma ruptura ou um vazamento. A falha em uma emenda pode fazê-la romper — explica Rosman.
Perícia em andamento
A durabilidade e a resistência de um tubo distribuidor de água também dependem das características do material, dos riscos aos quais a tubulação é exposta, e se está suspensa ou enterrada.
— Um tubo que está embaixo de uma via que tenha tráfego pesado pode ter fissuras causadas pelo impacto, por exemplo. Uma adutora que passe pela zona costeira, exposta à maresia, tem uma expectativa de agressividade do ambiente muito maior e exigirá mais manutenção — acrescenta o professor.
Depois de o vazamento de ontem inundar casas e carros também da Rua dos Rubis, em Rocha Miranda, os moradores estão preocupados. Maria Edi de Barreto da Silva, de 76 anos, conta que, dessa vez, o prejuízo da família foi a perda do carro do neto, que estava parado na calçada. Próximo à casa, há uma tubulação exposta, toda enferrujada.
— No dia que ela romper, acaba tudo! Não vai ter o que fazer. Vai ser uma pressão que vai levar tudo, e eu não acho que isso vai demorar para acontecer, olha só o estado dela, é muito velha — apontou a aposentada, que desistiu de comprar móveis novos, depois que a casa ficou alagada em janeiro. — Para que eu vou comprar de novo? Para perder tudo? Eu não tenho cama, não tenho armário, nem guarda-roupa. Guardo minhas pecinhas numas bolsas grandes.
Em nota, a Águas do Rio informou que a tubulação é parte de um sistema de abastecimento complexo, que inclui estruturas construídas desde o período imperial. Segundo a concessionária, o reparo em Rocha Miranda segue em andamento, e a previsão é que seja finalizado hoje. A causa do incidente está em processo de perícia pelas equipes técnicas.
A empresa foi notificada por falha na prestação do serviço pelo Procon-RJ e tem 15 dias para apresentar defesa, sob pena de multa de até R$ 13 milhões. Já a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (Agenersa) abriu processo regulatório para apurar as causas do acidente e as responsabilidades da concessionária.
Não é um caso isolado
Só este ano, 15 tubulações de água romperam até agora, o que significa mais de um acidente por mês. O mais recente aconteceu na madrugada de terça-feira, em Rocha Miranda. Janeiro foi o mês em que houve mais rompimentos de tubulação de água no Rio e na Região Metropolitana: sete ao todo, atingindo bairros das zonas Sul, Norte, Oeste e da Baixada, de responsabilidade de três concessionárias: Águas do Rio, Iguá e Rio+Saneamento. Em uma delas, em Belford Roxo, aconteceu uma tragédia: uma jovem de 18 anos morreu depois de cair no Rio Botas e ficar presa na tubulação, que havia rompido.
Todas as 15 ocorrências de rompimento de adutoras em 2024:
- 1º de janeiro: Flamengo, Zona Sul do Rio
- 5 de janeiro: Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio
- 6 de janeiro: Bairro Heliópolis, Belford Roxo, Baixada Fluminense
- 12 de janeiro: Campo Grande, Zona Oeste do Rio
- 24 de janeiro: Tanque, Zona Oeste do Rio
- 30 de janeiro: São Conrado, Zona Sul do Rio
- 31 de janeiro: Vila Isabel, Zona Norte do Rio
- 1º de fevereiro: Bairro Jardim Xavantes, Belford Roxo, Baixada Fluminense
- 3 de março: Coelho Neto, Zona Norte do Rio
- 2 de maio: Guadalupe, Zona Norte do Rio
- 8 de maio: Guadalupe, Zona Norte do Rio
- 16 de maio: Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio
- 24 de outubro: Sistema Ribeirão das Lajes, Nova Iguaçu, Baixada Fluminense
- 24 de novembro: Rocha Miranda, Zona Norte do Rio
- 26 de novembro: Rocha Miranda, Zona Norte do Rio
Com informações de O GLOBO.
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